Já falei algumas vezes aqui o quanto sou fã do chef Rodrigo Oliveira e do seu Mocotó, que é, pra mim, um dos melhores restaurantes do Brasil. Já contei também do meu entusiasmo a respeito do incessante trabalho de pesquisas que ele e o chef Julien Mercier realizam no Engenho Mocotó. Deixem-me falar, agora, do prato que a dupla executou em sua demonstração no congresso Panamá Gastronómica, onde estive em agosto. No último post, quando relatei minhas refeições na Cidade do Panamá, deixei de fazer essa observação: a melhor coisa que comi durante os quatro dias em que estive na cidade não saiu dos fogões de nenhum restaurante local, mas veio justamente pelas mãos da dupla brasileira.
Ambos têm especial apreço por carne de porco e quando se debruçam sobre o bicho, dispostos a tirar o que tem de melhor, sempre sai coisa boa. Estão aí os perfeitos torresmos do Mocotó a provar o que digo. O mesmo se pode dizer do trabalho de charcutaria que Julien vem desenvolvendo. No mais, valho-me das palavras do próprio Rodrigo, que sintetizam bem o espírito da coisa: “Não me preocupo em usar produtos caros. Uma costeleta de cordeiro pode até custar mais que uma barriga de porco, mas, certamente, não tem mais valor. Quando se devota atenção ao produto, uma simples barriga de porco pode virar iguaria”.
Voltando ao prato que dá título a este post, é mais uma pérola pra coleção dos dois. Trata-se de uma barriga de porco idealizada como uma crème brûlée. A ideia era conseguir fazê-la com interior extremamente macio e delicado, sob uma fina pele crocante (à semelhança dos cochinillos que os espanhóis fazem tão bem), de forma que se pudesse comer de colher, uma vez rompida a crosta, assim como se faz com a sobremesa francesa.
Para chegar ao resultado desejado, submetem a carne a algumas horas de cocção a vácuo, prensando-a, após a cocção, sob placas que pesam de cinco a seis quilos. Antes de levar à frigideira, retiram, ainda, parte da pele do porco pra que a pururuca não fique dura demais a ponto de não se poder romper como acontece com a clássica sobremesa que inspirou o prato. Pra acompanhar a carne, favada com legumes e paçoca de torresmo.
Quando o vi pronto na bancada do congresso, não resisti e pedi pra provar. Confesso que comi quase inteiro. E fiz bem, pois soube depois que, pra nossa infelicidade, o prato não está no cardápio do Mocotó nem deverá entrar no cardápio do novo Mocotó Café, a ser inaugurado em breve... Lamentemos.